segunda-feira, 16 de junho de 2008

Matéria Globo.com - Muito interessante II

Essa matéria abaixo também é do Globo.com:

Dia de Treinamento: Jade Barbosa extrai força da dor e das lágrimas
Na primeira reportagem especial da série, conheça o duro cotidiano da maior esperança da ginástica olímpica feminina brasileira em Pequim

No Pan-Americano, em 2007, ela foi ouro no salto, prata por equipes e bronze no solo. No Mundial disputado em Stuttgart naquele mesmo ano, ganhou o bronze na classificação individual geral. No mês passado, foi a Moscou disputar etapa da Copa do Mundo e levou o ouro no salto sobre o cavalo.
Apesar de todos esses triunfos, Jade Barbosa é famosa no Brasil pelas lágrimas, que marcaram sua participação no Pan, e pelo olhar de expressão triste, emoldurado por grossas sobrancelhas. Garota carioca nascida e criada em Copacabana, ela superou uma grande perda quando tinha apenas 9 anos: a mãe, Janaína, morreu subitamente, vítima de um aneurisma cerebral. Desde os 12 anos, mora em Curitiba longe do pai e do irmão, submetendo-se a uma dura rotina de treinamentos.
O ucraniano Oleg Ostapenko, técnico da seleção brasileira de ginástica feminina, enxerga em Jade a maior esperança de medalhas da equipe em Pequim. Mas monitora sua jóia com rigor:
- Ela passou por problemas psicológicos quando mais nova, mas já mostrou que pode competir. Tem um pouco de insegurança, é um pouco nervosa, mas, na minha opinião, seu único problema agora é manter o peso. Com 47, 46 quilos, tudo certo. Mas se estiver acima do disso, não vai conseguir treinar tudo que precisa. Ela tem exercícios difíceis e, se estiver pesada, pode se machucar. Ela precisa trabalhar mais, mais, mais...
Perto de completar 17 anos (faz aniversário em 1º de julho), Jade passou o Dia dos Namorados competindo com a seleção brasileira em Maceió.

- Não estou sentindo falta agora, tenho outras coisas como prioridade - comenta a atleta.

Abaixo você lê o depoimento de Jade sobre as atividades que realizou na terça-feira passada, 10 de junho. Esta é a primeira reportagem especial da série Dia de Treinamento, sobre a preparação dos atletas olímpicos brasileiros.

6h55m
Inverno curitibano, 9 graus. Acordei antes do toque do despertador, como geralmente faço. Sou carioca e, até me acostumar com o frio de Curitiba, penei: sair do cobertor e pisar no chão frio de manhã cedo era dureza. Hoje é tranqüilo, mesmo com a calefação desligada. Eu e Juliana (Santos) dividimos o quarto. Nós duas e mais Laís (Souza), Milena (Miranda) e Bruna (Costa) moramos em um apartamento em Água Verde. É um pouco longe de onde treinamos (Centro de Capacitação Esportiva do Paraná). Mas o local é muito melhor, bem mais seguro do que a zona em que moramos antes, no Capão do Imbuia. A única vantagem é que a casa ficava na mesma rua do Centro (de Capacitação Técnica).
7h15m
Saímos nós cinco para tomar café numa panificadora perto lá de casa. Eu como pouco de manhã, porque não gosto de me sentir cheia durante os treinamentos. Hoje foi só um iogurte. Em dez minutos terminamos e pegamos o táxi para o Centro de Capacitação.

7h40m
A gente chega e vai logo se pesar. É um momento muito importante do dia. Às vezes, o simples fato de estar no peso esperado já é uma grande felicidade. Sabemos que quem fica acima leva bronca. Eu tenho que pesar menos de 47 kg, mas estou com um pouco mais. Quando a gente vê que ganhou peso de um dia para o outro, corre antes de começar o treino, às 8h. A raiva que dá...

7h57m
Esperamos no tablado desde antes das oito horas: o treino começa sempre pontualmente. No ponto em que estamos agora, a rotina dos exercícios não varia muito, só muda a quantidade. Irina (Ilyaschenko, auxiliar do técnico Oleg Ostapenko) é quem comanda o aquecimento. Estou um pouco gripada, desde quinta-feira a garganta me incomoda. Para piorar a situação, a calefação não está funcionando. Como não tinha feito frio nos dias anteriores, ninguém percebeu o problema. A temperatura no ginásio era de 12 graus. É desagradável ter que assoar o nariz entre um exercício e outro, mas há incômodos maiores. Com o frio, tudo dói mais. Até aquecer todos os músculos, senti bastante a perna. O punho direito, que machuquei no começo do ano, está recuperado. Mas no frio, ele fica muito duro!
9h12m
A cada dia começo por um aparelho diferente, mas sigo sempre a ordem olímpica: salto, paralelas, trave e solo. Hoje iniciei nas paralelas, sob a supervisão direta do Oleg. Nem sempre a gente compreende tudo o que ele fala. Às vezes, entendemos meia frase e conseguimos deduzir o resto.

9h50m
Laís foi fazer seu trabalho de solo e teve uma crise de choro. Ela não estava conseguindo se aquecer, não estava acertando por causa disso. Tentou explicar ao Oleg, mas ele, impacientemente, não aceitou. É duro, mas, depois de um tempo, você se acostuma, já sabe que é o jeito dele...
10h25m
Comecei minha série no solo e Nadiia (Ostapenko, mulher de Oleg e coreógrafa da seleção), me pediu para elevar mais os braços, mostrar o sorriso, trabalhar a expressão facial. É difícil sorrir. No treino, eu não mostro o que estou sentindo porque, na verdade, não estou sentindo nada naquela hora... Ela tenta me cobrar para eu fazer bem na competição. Aí, sim, eu sorrio... A Olga conversa mais do que o Oleg, tem o jeitinho dela e tal, mas também é exigente. Às vezes você está muito cansada, já fez muita acrobacia antes, e ela pede ainda mais empenho na coreografia. Eu também me cobro muito. Quando não consigo fazer uma coisa, fico muito chateada, irritada. Muito mesmo: eu simplesmente tenho que acertar. Às vezes fico tentando fazer uma coisa nova e a Irina fala: ‘Acabou, Jade!’. Eu peço para fazer mais uma tentativa, vou lá e acerto. O contrário não acontece. Se ela pedir mais uma repetição, você não tem como falar que não quer, que não dá mais.

10h48m
Chorei. De raiva. Não gostei do meu desempenho nos saltos e fiquei brava comigo mesma. Às vezes, não chego a chorar; faço uma cara feia meio assim e depois volto ao normal. Uns dois segundos já ajudam a botar pra fora. A minha maneira de mostrar meus sentimentos é chorando. Então quando sinto dor, eu choro; quando estou muito feliz, choro... A Daiane diz que existem três tipos de choro no treinamento: de estresse, de dor, e de felicidade. Quando a ginasta acerta finalmente um salto, por exemplo. Eu acrescentaria mais um tipo: de tédio. É aquela hora em que você chora porque não tem mais o que fazer. Mesmo com toda a exigência física, o tédio é inevitável na nossa rotina. 11h50m
Encerrei o primeiro turno do treinamento. Tirei o short e a meia, e me pesei. Acho que até Pequim estarei no peso ideal, tenho confiança. 12h02m
Saímos para almoçar em um restaurante por quilo, Fernandes. Fica não muito longe dali, no Capão do Imbuia mesmo. Eu gosto de hambúrguer e fast food, mas agora estou evitando muito muito muito! Nem lembro quando foi a última vez que comi no McDonald’s. Almocei salada e frango, só isso. Peito de frango grelhado. Deu uns 200 gramas no total. De sobremesa, nada. No almoço, a gente aproveita e compra uma marmita para o jantar. Quem não quer, às vezes come uma fruta. Eu muitas vezes não janto e como outra coisa.




14h30m
É a hora da aula particular, que eu e algumas das meninas da equipe temos em uma sala que fica dentro do ginásio mesmo. Mas hoje foi dia de prova. Cheguei pensando: ‘Gente, eu não estudei nada! Como é que eu vou fazer o teste de biologia?’ E foi pior ainda, porque tinha prova de Química tambem.... Eu não tinha estudado nada ontem, porque estava exausta. O treino tinha terminado tarde, cheguei em casa, arrrumei um pouco a mala e dormi. Estou cursando o segundo ano do ensino médio e ainda não sei que carreira seguir. Não sei se vou querer ser técnica e dar treino. Tem que ter paciência, né? E gostar de criança, senão você vira um carrasco...
16h30m
De volta para o segundo turno de treinamentos, Oleg perfilou todas as ginastas antes de recomeçarmos e exigiu capricho. Eu puxei a fila na corrida e fui a primeira nos saltos acrobáticos. Não penso muito na pressão de ser a esperança de medalha do Brasil em Pequim. Achei que fosse ficar muito preocupada neste ano, mas tento não pensar. Eu entro para competir pela Jade, porque a Jade gosta de ginástica. Eu amo estar ali. Se eu ganhar ou não ganhar medalha, foi pra mim, por mim. Não foi para a família, para o técnico ou para os amigos, foi por mim! 17h35m
Terminei o alongamento. Hora feliz: o treinamento está terminando mais cedo hoje, porque no dia seguinte viajamos para competir em Maceió.
17h40
‘Até aqui, moço!’, reclamei com o fotógrafo (Edson Silva, que registrou meu treinamento o dia todo, desde a chegada ao Centro de Capacitação) durante entrevista ao GLOBOESPORTE.COM. Os jornalistas ficaram impressionados com minhas mãos, e me pediram para fazer uma foto em close. Há 11 anos, minhas mãos são assim, cheias de calos. Mas agora estão machucadas, bem piores do que o normal. Passo ribocina e fibrase para melhorar.

18h30m
Voltei pra casa com Milena, de táxi. As outras meninas tinham saído antes.
19h30m
Falei com meu pai pelo telefone. Já tinha conversado com ele pela manhã, antes do treino, e também na hora do almoço. São pelo menos três vezes por dia. Com meu irmão, é mais difícil falar, porque ele estuda. Às vezes também nos comunicamos pelo msn. Novela eu até via, mas há tempos que não acompanho mais. A gente vai competir no exterior, e quando volta não entende mais nada, né? Prefiro a internet. Nós (Jade, Juliana, Milena, Laís e Bruna) entramos juntas na web e nos divertimos, uma mostra um vídeo pra outra. Somos muito amigas, quase irmãs. Lógico, tem horas em que uma não agüenta olhar pra cara da outra. Mas isso passa logo: se a gente não se olhar um tempinho, já melhora.
22h
Eu vou pra cama na hora em que me dá sono. Às vezes é um pouco mais tarde, às 23h. Durante a semana, nunca saímos à noite. Ninguém agüenta. Aos sábados e domingos, vamos ao shopping, ao cinema. O último filme que vi foi “O Melhor Amigo da Noiva”; gosto muito de comédias. Não tenho namorado. Não estou sentindo falta agora, tenho outras coisas como prioridade. Tenho algumas amizades no Rio, mas são poucas. Você perde o contato com as pessoas, né? Aqui em Curitiba, não freqüento escola e quase não saio, então é dificil conhecer gente. Mas, tudo bem: amigos, eu faço depois, né?



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